Vou contar uma história muito comum que envolve um financiamento bancário.
Rodrigo era um gerente de uma grande empresa, no interior de São Paulo.
Como fazia a cada dois anos, ele vendia seu carro para a concessionária e comprava um carro novo, mediante financiamento com o banco.
Ele financiava a diferença do valor do carro novo com o seu, usado.
Ano passado, Rodrigo se empolgou com a publicidade de um modelo novo de carro. Era, de fato, um carrão.
Foi até a concessionária fazer um test-drive e não resistiu: financiou a compra de um modelo zero do carro, modelo top de linha, automático e com teto solar.
O carro estava num patamar de preço bem superior aos anteriormente adquiridos por Rodrigo.
Ele subiu uns 3 ou 4 degraus no padrão de carro que estava acostumado a comprar.
Dois meses depois de financiar o carro, a fatalidade: Rodrigo perdeu o emprego e não conseguiu mais pagar as parcelas do financiamento.
E agora, Rodrigo?
É só sentar, chorar e esperar o banco tomar o carro?
Esperar para ver o que o Banco vai fazer é a pior estratégia
É claro que não!
Aliás, não é recomendado que você fique parado, sem tomar a iniciativa.
De preferência, agir antes que o banco também o faça.
Existem estratégias lícitas, que podem ser adotadas pelo devedor, para que você ganhe tempo ou mesmo consiga proteger seu patrimônio contra a “fome de dívidas” do banco.
Falo dessas estratégias em uma outra publicação: O que você pode fazer para se proteger, caso não tenha mais condições de pagar o financiamento do seu carro.
E uma das estratégias que trato nessa publicação é a análise do contrato de financiamento, para tentar encontrar abusos cometidos pelo banco.
Análise do contrato de financiamento bancário
Infelizmente, é muito comum que os contratos de financiamento bancário contenham várias cláusulas abusivas.
Por outro lado, como a relação do tomador do empréstimo com o banco é uma relação de consumo, felizmente, ela é protegida pelo Código de Defesa do Consumidor.
Isso, claro, se o tomador do empréstimo não for pessoa jurídica que utilize o valor para fomentar a atividade produtiva. Nesse caso, o CDC não se aplica.
Se, após a análise do contrato, forem descobertas cláusulas abusivas, elas poderão ser anuladas por meio de uma ação judicial.
Separei, aqui, as 3 práticas abusivas impostas pelas instituições financeiras mais comuns a seus correntistas.
Entendendo essas cláusulas, você conseguirá elaborar uma estratégia de defesa contra o banco mais eficiente.
Vamos a elas:
1. Cobrança de juros abusivos
Dizem que só existem duas certezas nessa vida: a morte e que os bancos não são instituições filantrópicas.
Banco visa o lucro e, por isso, eles oferecem uma gama de produtos aos futuros correntistas, incluindo aí, claro, o empréstimo de dinheiro.
Em troca do empréstimo, cobram uma determinada quantia em forma de juros.
São os chamados juros remuneratórios ou compensatórios.
Ocorre que, os juros remuneratórios estão limitados a taxa média do mercado.
Isso quer dizer que o banco não poderá cobrar juros que ultrapassem a taxa média cobrada pelas demais instituições financeiras.
Há uma liberdade na cobrança, mas há um teto.
Daí, uma boa estratégia de análise do contrato é verificar qual é a taxa média de mercado praticada no momento em que o financiamento foi contratado.
Caso os juros cobrados no seu contrato estejam muito acima da referida taxa média do mercado, para o mesmo período, eles poderão ser revistas e reduzidas.
Dessa forma, o cliente/correntista poderá obter a restituição dos valores pagos em excesso ou até mesmo a compensação com o saldo devedor.
2. Cobrança indevida da comissão de permanência
Antes de falarmos da comissão de permanência, é importante que você entenda sobre os encargos de uma forma geral.
No financiamento bancário, os encargos são formados por:
- juros remuneratórios
- correção monetária
- juros de mora
- multa
- comissão de permanência.
De forma bem simplificada, vamos a eles:
- Juros remuneratórios – valor pago em contraprestação ao empréstimo. São os juros cobrados pelo dinheiro emprestado;
- Correção monetária – é a compensação pela perda de valor da moeda, em decorrência da inflação;
- Juros de mora são compensações financeiras pelo não pagamento da prestação no prazo acordado – é a taxa cobrada decorrente do atraso no pagamento;
- Multa é uma espécie de penalidade pelo não pagamento no prazo, podendo ocorrer apenas uma vez sobre o valor principal;
- Comissão de permanência – é uma taxa que substitui todas as anteriores, ou seja, ela é a soma dos juros remuneratórios + juros de mora + multa + correção monetária.
Como se verifica, cada um desses encargos possui uma função específica, sendo que a Comissão de Permanência serve para substituir todos os demais de uma única vez.
Dessa forma, ou o banco cobra juros, multa e correção ou então cobra, de uma só vez, a comissão de permanência.
Na prática, é comum que as instituições financeiras cobrem a comissão de permanência junto com os demais encargos.
Como muita gente não sabe o que é a comissão de permanência, deixa passar batido e paga os encargos duas vezes.
Ora, se a Comissão de Permanência serve como substituto de todos os outros encargos, ela não pode ser cobrada de forma cumulativa.
Assim, a cobrança da Comissão de Permanência cumulada com os demais encargos é ilegal.
Caso o banco cobre dessa forma, deverá restituir ao correntista o valor pago em excesso ou fazer a compensação com o restante da dívida.
3. Cobrança do TAC e TEC
O TAC é a Tarifa de Abertura de Crédito e o TEC é a Tarifa de Emissão de Carnês.
Muitos bancos ainda cobram essas taxas.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a cobrança da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e da Tarifa de Emissão de Carnês (TEC) é ilegal para todos os contratos firmados após o ano de 2008.
Assim, caso haja a cobrança de tais tarifas no seu contrato, saiba que essa cobrança é indevida e a cláusula que a estipula é nula.
O consumidor pode ser restituído financeiramente caso tenha feito o pagamento.
Mas lembre-se: o TAC e TEC são indevidos apenas para contratos firmados após o ano de 2008.
Se o seu contrato de financiamento é anterior, dificilmente você conseguirá reaver esses valores.
Esse são apenas os exemplos mais comuns em contratos de financiamento bancário
Esses são apenas alguns exemplos – os mais comuns – de questões que poderão ser debatidas em sua defesa.
Lembrando que dificilmente você conseguirá renegociar o valor do financiamento com o banco, alegando que as cláusulas do contrato são abusivas.
O banco tem um departamento jurídico especializado, e seus representantes sabem que as cláusulas são abusivas.
Eles enfrentam (e perdem) ações todos os dias com base em cláusulas abusivas.
A negociação direta com o banco nestes termos pode ser perda de tempo, pois o seu financiamento é um entre milhares.
Dessa forma, tudo irá depender de um estudo do contrato e, como falei, da verificação detalhada de cada caso.
Em que pese ser aplicado aqui o Código de Defesa do Consumidor, que pende bastante para o lado do devedor, uma boa defesa e a aplicação das estratégias mais eficazes aumentarão muito sua chance de vitória, seja na defesa de uma ação movida pelo banco, ou numa contra o banco.
Sobre Carlos Eduardo Vinaud
Advogado, especialista em Direito Bancário e Imobiliário. Formado na Universidade de Brasília (UnB) e Pós-Graduado em Direito Contratual pela Escola Brasileira de Direito (Ebradi), atuou por 10 anos como advogado de grandes bancos e incorporadoras. É advogado associado da Sérgio Merola Advogados, responsável pelas áreas de Direito Imobiliário e Direito Bancário.
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