Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
23 de Abril de 2024

Novas decisões do TRT-MG sobre vínculo de motoristas com Uber continuam refletindo entendimentos divergentes sobre a questão

Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região

Publicado por Sérgio Merola
há 7 anos

Novas decises do TRT-MG sobre vnculo de motoristas com Uber continuam refletindo entendimentos divergentes sobre a questo

As primeiras ações propostas na Justiça do Trabalho mineira por motoristas que prestam serviços de transporte particular com a utilização do aplicativo Uber pretendendo o reconhecimento de vínculo de emprego com as empresas gestoras da plataforma digital (Uber do Brasil Tecnologia Ltda e suas matrizes internacionais, Uber Internacional B. V. E Uber Internacional Holding B. V.) começam a ter suas decisões proferidas pelos magistrados das Varas Trabalhistas e duas delas já tiveram seus desfechos no TRT-MG.

As duas primeiras, já amplamente noticiadas aqui neste site, com repercussão na imprensa nacional e internacional (veja links ao final), demonstraram já a dimensão do impasse no amplo debate sobre a questão que se abriu a partir de então, já que uma nega e a outra reconhece o vínculo, sendo esta última revertida em Segunda Instância. Agora, nas duas decisões mais recentes sobre a matéria, a história se repete: uma, publicada no último dia 12 de junho, reconhece o vínculo; a outra, proferida em 30 de maio, não só nega a existência da relação empregatícia, como vai além e condena o motorista reclamante por litigância de má-fé.

Nesta NJ Especial vamos fazer um breve review desses casos para entender como e por quê estão se dando essas decisões divergentes no âmbito no TRT de Minas. Que fundamentos embasam as decisões em ambos os sentidos? Como está se desenhando a tendência no TRT para o “desempate” da questão? Ao leitor, convidamos à reflexão sobre a matéria, que está na ordem do dia por envolver uma novidade recém-inserida - e com grande aceitação - na rotina dos nossos centros urbanos, e, por outro lado, uma nova forma de trabalho, bem típica da era digital e super tecnológica em que vivemos.

Já a sentença proferida pelo juiz da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Márcio Toledo Gonçalves, trilhou o caminho inverso e reconheceu o vínculo de emprego entre a empresa Uber do Brasil Tecnologia Ltda. E o motorista reclamante. Na decisão, datada de 13 de fevereiro de 2017, o magistrado concluiu que a empresa se apresenta como uma plataforma de tecnologia, mas, considerados os fatos objetivos de sua relação com os motoristas e clientes, caracteriza-se, na verdade, como uma empresa de transportes. E, analisando, um a um, os requisitos legais da relação de emprego, o julgador considerou presentes todos eles: pessoalidade (pela exigência de cadastro prévio e documentos), onerosidade (porque a Uber é quem estipula a tarifa, recebe e repassa os valores ao motorista, retendo para si um percentual), não-eventualidade (o juiz identificou uma "exigência velada" de que os motoristas estejam em atividade de forma sistêmica) e, sobretudo, a subordinação às diretrizes da empresa, estando o motorista inserido na dinâmica da organização e prestando serviço indispensável aos fins da atividade empresarial. Além da obrigação de assinar a Carteira de Trabalho do motorista, a Uber foi condenada a pagar a ele horas extras, adicional noturno, multa prevista na CLT, verbas rescisórias pelo rompimento do contrato sem justa causa e restituição dos valores gastos com combustível e também com a água e balas oferecidas aos passageiros. (Processo nº 0011359-34.2016.5.03.0112Veja matéria completa no link ao final)

Recursos: acordo e vínculo revertido

No primeiro caso, em que se negou o vínculo, antes do julgamento do recurso pelo TRT-MG, as partes entraram em acordo, homologado em sessão da 1ª Turma, pondo fim à demanda. Como no ajuste constou cláusula de confidencialidade, os termos da conciliação não foram divulgados e a petição de acordo permanece no sistema como documento restrito às partes. Assim, o primeiro pronunciamento do TRT de Minas sobre a questão deu-se no julgamento do recurso da Uber contra a decisão da 33a VT, que foi totalmente revertida pela 9ª Turma. Ao declarar a inexistência de relação de emprego, a Turma afastou a obrigação de anotação da CTPS do motorista pela Uber e absolveu a empresa de todas as condenações relativas ao pagamento de verbas trabalhistas e rescisórias impostas na sentença, como também a expedição de ofícios aos órgãos competentes, que havia sido determinada pelo juiz sentenciante.

O caso foi relatado pela desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos. E, ao analisar os fatos do processo, a magistrada entendeu que o modelo de trabalho seguido pelos motoristas vinculados à Uber não apresenta as características típicas da relação de emprego. De acordo com a relatora, não há fraude às leis trabalhistas e sim, opção do motorista em se cadastrar e atender clientes pelo aplicativo.

De pronto, a relatora descartou a existência de pessoalidade, já que ficou provado que os motoristas podem se fazer substituir por outros, igualmente cadastrados na plataforma, além de terem liberdade para ficar off line ou recusar corridas. E mais: o cadastrado pode ser pessoa jurídica ou até cadastrar uma frota de veículos em sua conta, recebendo as corridas da Uber e repassando o valor devido a eventual motorista auxiliar. O cadastramento, como entendeu a desembargadora, se dá por questões de segurança dos próprios motoristas e dos usuários.

Também foi afastado o requisito da não eventualidade, já que o próprio motorista confirmou que poderia desligar o aplicativo quando quisesse, ficando afastado por até 30 dias sem exclusão do sistema. E, mesmo se excluído, poderia se recadastrar depois e voltar a trabalhar. Quanto à onerosidade, ela observou que esta é natural em todo contrato bilateral, que gera direitos e obrigações equivalentes para ambas as partes.

Em relação à subordinação, a relatora considerou comprovadas as alegações da ré no sentido de que o motorista nunca foi seu empregado, mas parceiro comercial, trabalhando com absoluta independência no uso do aplicativo, podendo recusar passageiros e ligar ou desligar o "app" quando quisesse. A relatora também entendeu não demonstrada a existência de punição pelo não fornecimento de água e balas aos usuários do aplicativo. Eram apenas orientações e estas não caracterizam subordinação jurídica e nem significam ingerência da empresa na forma da execução do contrato.

Rejeitando a tese da existência de subordinação estrutural, a desembargadora observou que o objeto social da Uber não é o transporte de passageiros, em si, mas o fornecimento de instrumentos que facilitem o contato entre usuários que necessitam de transporte e motoristas que se dispõem a fazer esse serviço, utilizando para tanto recursos tecnológicos próprios. “O fato da empresa reclamada orientar os motoristas sobre a forma de atendimento aos clientes não autoriza concluir pela existência de subordinação”, explicou.

Será tendência? - Por fim, a relatora pontuou que não é possível escapar dos novos modelos de organização do trabalho que surgem no seio da sociedade. E frisou:“Havendo novas possibilidades de negócios e de atividades pelo desenvolvimento da tecnologia, das comunicações, das transferências de dados e informações, haverá uso delas, que servirão como ferramentas, inclusive em oferta de bens e serviços de natureza antes impensáveis ou inviáveis de serem colocados em prática, gerando novo conceito de negócio ou novo objeto de negócio. Neste cenário é que surgem novos objetos de negócios e uso e ampliação de utilização de aplicativos como o Uber e o Airbnb (na área de hospedagem), por exemplo, que estabelecem contato direto entre consumidores e fornecedores. E, também, não se pode olvidar que conseguem fomentar ganhos expressivos em eficiência, custo e comodidade nas transações para seus usuários.” (PROCESSO nº 0011359-34.2016.5.03.0112 (RO) – Data do acórdão: 23/05/2017)

Novas decisões: a polêmica revivida

Caso 1: Negativa de vínculo e condenação do motorista por má-fé processual

Pois bem, estava-se nesse pé quando, em 30 de maio último, nova decisão é proferida pela 12ª Vara do Trabalho da Capital mineira, nos autos da reclamação movida contra a Uber do Brasil Tecnologia por um motorista vinculado à plataforma, que atribuiu à causa o valor de 100 mil reais. O magistrado, Marcos Vinícius Barroso, não só entendeu cristalina a inexistência de qualquer requisito para o vínculo pretendido, como concluiu pela má-fé do reclamante ao alterar a verdade dos fatos trazidos a juízo para obter vantagem indevida, condenando-o a pagar multa de 1% sobre o valor da causa, bem como a indenizar o réu pelas despesas que teve com o processo.

De início, o magistrado rejeitou o pedido do motorista para que o julgador fizesse “um upgrade das normas jurídicas, a fim de adequá-las ao tempo presente”. O juiz refletiu e, manifestando respeito pelos entendimentos em contrário, resolveu rejeitar a pretensão. “Sob pena de violação frontal do art. , da Constituição Federal (separação de Poderes), somente ao Poder Legislativo compete criar, atualizar ou extinguir normas jurídicas. Ao Judiciário cabe, apenas e tão somente, aplicá-las, interpretando-as quando a literalidade não seja evidente”, pontuou, acrescentando que, caso determinada norma jurídica não se adeque às regras constitucionais vigentes, há um único recurso para o juiz deixar de aplicá-la: a declaração incidental de inconstitucionalidade. Enfim, declarou que aplicaria as normas tal qual postas no ordenamento jurídico vigente. E, na falta de previsão legal para alguma situação específica, ele concluiria tratar-se de atividade de livre regulação entre as partes.

O julgador chamou a atenção para o fato de que é a Administração Pública que só pode fazer aquilo que a lei autorizar. Já o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não vede. “Restringir, sem previsão legal, forma de operação empresária, com caráter de solução de tecnologia da informação, inerente ao Século XXI, sem que essa atividade em si tenha qualquer tipo de vedação legal, é ferir esse princípio. Como no Brasil não há lei que regule o uso de tecnologias da informação para ligar/lincar motoristas e seus passageiros, nem essa atividade foi vedada em qualquer norma jurídica, a CLT, e tão somente ela, da forma como está escrita, poderá ser a fonte normativa para a solução da lide, sob pena de violação do princípio da legalidade (art. , caput, da CF/88, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei)”.

Isso posto, ele passou a analisar o vínculo de emprego, nos termos dos artigos e da CLT. E concluiu pela ausência de todos eles. Segundo explicou, se a pessoalidade é o elemento da relação de emprego pelo qual uma pessoa, e apenas ela, pode ser o executor das tarefas perante o seu empregador, isso já ficaria afastado pois, conforme o próprio motorista confessou em depoimento, ele estava desempregado e um amigo, dono da placa, o convidou a dirigir para ele um Uber Black, em troca de um salário-mínimo mensal, pago pelo amigo. Nesse ponto, o juiz chama a atenção para uma nova figura que ele identificou em processos idênticos sob seu julgamento, a figura do investidor. Ou seja, nesses casos, os motoristas não dirigiam para a empresa gestora da plataforma, mas para o investidor, que tinha outras pessoas dirigindo veículos de sua propriedade cadastrados na Uber. “É muito importante não confundir a tomada de cuidados mínimos do reclamado quanto a quem irá dirigir na plataforma (como possuir CNH válida e não vencida, não possuir antecedentes criminais, ter smartphone para “rodar” a aplicação), com a exigência de que uma pessoa, e apenas ela, possa prestar os serviços”, frisou.

Descartando também a onerosidade, ele disse ter identificado que, na regra de negócio da empresa, não existe promessa alguma de pagamento, ainda que por média, nem o estabelecimento de padrão remuneratório mensal que se assemelhe ao salário, conforme a definição celetista. A Uber apenas estabelece formas de calcular o quanto o passageiro pagará pela corrida, as formas de pagamentos que poderão ser utilizadas (dinheiro, cartão, bônus, etc), coletando do passageiro a quantia e repassando ao motorista a parte que lhe é devida.

Quanto à não eventualidade – que ocorre quando o empregado se obriga a aguardar ou executar ordens do seu empregador, com certa regularidade temporal (três vezes por semana, todos os dias etc) – no entender do julgador, esta não se configurou, segundo confissão do próprio reclamante que afirmou permanecer na plataforma mesmo fazendo dois ou três meses que nela não ingressava e que dirigia no aplicativo no dia e hora em que quisesse, ficando evidente a ausência de períodos ou regularidade.

Por fim, para o magistrado, a subordinação já se exclui pelo fato de o reclamante afirmar que a ré não exercia poderes de direção, disciplinar ou qualquer outro legalmente previsto e inerente ao empregador. Em depoimento pessoal, ele declarou que poderia fazer 10 horas de serviços em um único dia, escolher ir ao cinema à tarde, desligando-se do aplicativo e religando posteriormente. Ele podia recusar corridas e também escolhia a região em que queria trabalhar, recebendo apenas indicativos do aplicativo sobre onde havia maior demanda naquele horário. O juiz apurou que não havia comandos cogentes do tipo “dirija-se a tal lugar”, mas apenas indicativos das áreas de maior demanda (como eventos, jogos etc) úteis ao próprio motorista para obter maiores ganhos. Tudo dentro daquilo que as soluções de tecnologia da informação se propõem: servir, com dados e informações, aos seus usuários, que, justamente, pagam por essas informações. “Respeitosamente, até mesmo a volátil teoria da subordinação estrutural, que permite ao julgador um elevadíssimo grau de subjetividade na sua aplicação aos casos concretos, dando-lhe uma ampla capacidade de fixar quais atividades estariam, ou não, vinculadas na estrutura da atividade econômica do empregador, não se enquadra no caso dos autos, em virtude da total autonomia, no mais amplo sentido, que o reclamante tinha para fazer uso da plataforma do reclamado”, expressou o juiz.

Diante de todos esses fatos, o magistrado concluiu que a Uber é, sim, uma solução de tecnologia da informação e que cobra do motorista e dos passageiros que o utilizam, as despesas para sua operação, bem como para a geração de lucros, objetivo natural de qualquer empresa. Ou seja, quando o passageiro paga pelo transporte, já está embutido no preço o custo da operação de comunicação com o motorista (via rede de telefonia móvel ou internet), o monitoramento do percurso, informações via satélite, a intermediação do pagamento pela agenciadora de cartões etc.

Multa por má-fé – Além de julgar improcedentes todos os pedidos feitos pelo motorista, o magistrado o condenou por litigância de má-fé. Isto porque, ele considerou que o reclamante omitiu o fato de ter começado na Uber dirigindo para outra pessoa, o investidor, o que só foi confessado na instrução do processo. E mais: ele pediu horas extras por longas jornadas e diversos adicionais, denunciou trabalhos noturnos e intervalos não cumpridos, mas depois confessou que ele próprio escolhia a hora em que iria trabalhar, quanto tempo de intervalo faria, podendo encerrar o dia quando ele mesmo decidisse. Confessou ainda que nunca teve que prestar qualquer tipo de contas à Uber. Diante disso, o juiz concluiu que, embora ele estivesse plenamente ciente das regras de negócio da plataforma, veio ao Judiciário trabalhista tentar a alteração de um contrato anteriormente firmado, alterando a verdade dos fatos e buscando vantagens que sabia indevidas, em evidente má-fé, enquanto a outra parte sempre agiu com lisura e boa fé em relação ao contratado.

Entendendo que o motorista incorreu nas previsões do art. 80, incisos II e III, do CPC, o juiz aplicou a ele, de ofício (art. 81, do CPC) multa de 1% sobre o valor atribuído à causa, totalizando R$ 1.000,00. O motorista também foi condenado a indenizar a empresa Uber pelas despesas que teve com o processo. Como foi concedida ao autor a gratuidade judiciária, ele ficou isento de pagar as custas processuais, no valor de R$ 2.000,00. O motorista recorreu da decisão e o apelo está em trâmite no TRT-MG. (RTOrd-0010044-43.2017.5.03.0012 – Data da sentença: 30/05/2017)

Caso 2: Poder disciplinar, imposição de condições e subordinação estrutural justificam vínculo

Quando já se vislumbrava uma tendência se desenhando no ar, a se julgar pelo score pró negativa de vínculo dos resultados acima, eis que surge, em 12 de junho último, uma nova decisão sobre a matéria, desta vez do juiz Vitor Martins Pombo, da 42ª Vara do Trabalho de BH, recolocando a bola em jogo ao declarar o vínculo entre o motorista reclamante e as empresas Uber.

Para o magistrado, o cadastro do motorista exigido pela Uber, até para quem vai dirigir o veículo de outro cadastrado, representa, justamente, a pessoalidade prevista na CLT, na medida em que ele precisa passar pelos critérios definidos pelas rés, não podendo ser alguém escolhido exclusivamente pelo dono do veículo. “Ou seja, o motorista deve necessariamente ter um vínculo direto com a ré para poder operar a partir do aplicativo, caracterizando a pessoalidade”, ponderou o magistrado, citando os “Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital", documento da Uber que especifica as condições para se trabalhar com o uso do aplicativo.

O fato de a Uber reter um percentual da quantia apurada com as corridas realizadas, obtendo assim o seu lucro, enquanto o motorista trabalha para ficar com o restante do valor, foi considerado como a caracterização da onerosidade, no caso.

Ainda de acordo com o julgador, para se apurar o requisito da não eventualidade é preciso verificar as condições do caso concreto, sendo irrelevante a possibilidade, em abstrato, de o motorista poder ou não trabalhar quando quiser. Segundo apurou o magistrado, no período em que trabalhava com o aplicativo, o motorista rodava continuamente, realizando centenas de viagens, como demonstra um documento anexado. Com isso, ele considerou presente o requisito da não eventualidade.

Por fim, rejeitando a tese da Uber de que foi o motorista foi quem procurou a plataforma tecnológica e aderiu, por livre vontade, aos termos de uso, trabalhando com total autonomia como" motorista parceiro ", o juiz explicou que, no contexto de uma relação de trabalho, autonomia é a capacidade do profissional gerir o próprio trabalho, valendo-se de seus próprios meios, vontades, princípios e condições contratuais. E, ainda que esse profissional autônomo obtenha cliente indicado por terceiro, os termos do contrato não serão definidos por esse terceiro, mas sim pelo prestador do serviço, em negociação direta com o cliente indicado.

No caso, ele verificou que o reclamante não possuía nenhum cliente próprio, sendo todos clientes da Uber: “Mesmo após o reclamante atender algum cliente, este não passava para a base de clientes pessoal do autor, permanecendo o cliente vinculado à ré”, ponderou, acrescentando que o motorista poderia apenas aceitar ou recusar o cliente indicado pela ré.

Outro indicativo da existência de subordinação apontado pelo magistrado é que a Uber é quem define, unilateralmente, a maior parte das condições para o trabalho, como o tipo de carro a ser utilizado para cada tipo de serviço (Uber X ou Black), as qualificações exigidas do motorista, o percentual a ser retido e até o itinerário, programado pelo GPS.

Para o juiz, não se pode deixar de considerar que, se os critérios de qualidade da empresa, apurados através da avaliação dos usuários, não fossem atendidos pelo motorista ele seria excluído (como de fato foi), da plataforma. Isso revela o poder disciplinar exercido pela Uber, como em outras previsões de suspensão do aplicativo, caso o motorista recusasse três corridas seguidas.

Por todos estes elementos, verifica-se a existência de subordinação direta e estrutural. Estrutural porque o reclamante estava inserido na lógica de prestação de serviços da empresa, com toda a rede de motoristas, forma de prestação de serviços, regras gerais de funcionamento da reclamada etc. E direta porque, apesar de não receber ordens diretas de uma pessoa específica, tinha que cumprir determinações vindas diretamente da própria reclamada, como por exemplo o carro específico para a categoria específica que iria operar, o preço a ser cobrado, o cliente específico a ser atendido em cada corrida, a rota de cada corrida etc”, concluiu o magistrado.

Enfim, na ótica do julgador, a Uber nada mais é que uma empresa de transporte. “Fosse apenas uma empresa de tecnologia, promovendo aproximação entre o motorista e o passageiro, como alega, seria o motorista quem estabeleceria o preço da corrida, o tipo de carro a ser utilizado para cada modalidade, o trajeto a ser praticado, as normas de utilização e condições de permanência no aplicativo e não teria poder disciplinar sobre os motoristas”, pondera, acrescentando que, se o bem último promovido pela pela Uber é o serviço de transporte aos seus clientes, como consequência, a empresa deve ter, necessariamente, motoristas para desenvolver sua atividade. Assim, concluiu que o motorista prestava serviços à empresa diretamente e apenas indiretamente aos passageiros.

Por outro lado, ele reconheceu que o motorista tinha ampla liberdade em ativar o aplicativo quando e por quantas horas quisesse, denotando certa autonomia que não é bem típica da relação de emprego. Mas, ponderou que, diante da existência de elementos de autonomia e de outros de subordinação, cabe ao julgador enquadrar o trabalho humano na figura que mais se aproxima do ocorrido na prática. E, no caso, ele considerou que os elementos de subordinação apurados na relação entre a Uber e o motorista são muito mais intensos que os de liberdade. Até porque, a liberdade com relação ao horário não é capaz de desnaturar o vínculo empregatício, pois pode bem se enquadrar nas previsões do art. 62 da CLT, que exclui do regime de jornada quem realiza trabalho externo, por exemplo.

Assim, entendendo presentes os requisitos do art. da CLT, o magistrado declarou o vínculo entre o motorista e a Uber, mediante salário mensal a ser apurado em liquidação de sentença, e, afastando alegações da empresa de descumprimentos contratuais por parte do motorista, estabeleceu que a forma de desligamento foi a dispensa sem justa causa. Em consequência, a empresa Uber foi condenada ao pagamento de aviso prévio indenizado, 13º e férias proporcionais, além de FGTS com 40% de todo o período trabalhado. O juiz deferiu ainda a multa do art. 477, § 8º, da CLT e adicional noturno, além de pagamento do adicional de 100% para os dias destinados ao descanso semanal remunerado.

Por outro lado, o juiz indeferiu o pedido de indenização por danos morais pela ausência de condições adequadas no local de trabalho, pois reconhecido que o motorista tinha liberdade para fazer pausas quando bem entendesse, inclusive para fazer refeições e utilizar sanitário em qualquer estabelecimento disponível. Também afastou a acusação de prática de dumping social pela ré, pelo descumprimento reincidente aos direitos trabalhistas, capaz de gerar dano à sociedade. Nesse ponto, o magistrado destacou que “é preciso reconhecer que a forma de trabalho proposta pela reclamada é uma novidade, com consequências legislativas e judiciais ainda em incipiente discussão”. Tanto que, lembrou o julgador, no âmbito do TRT de Minas já foram proferidas duas sentenças negando a existência de vínculo e outra reconhecendo, todas com sólidos fundamentos, demonstrando a controvérsia existente no âmbito do Poder Judiciário. Isso, segundo entendeu o juiz, afasta, neste momento, a suposta intenção da ré em prejudicar o funcionamento adequado do sistema econômico de forma a caracterizar o alegado dumping social.

Desta decisão ainda cabe recurso ao TRT de Minas. (RTSum 0010570-88.2017.5.03.0180 – Data da sentença: 12/06/2017)

Como será amanhã? Responda quem puder...

Então, ficamos assim, por ora. Em perfeito impasse. Agora, é aguardar a pacificação da matéria na jurisprudência para que se definam melhor os contornos do entendimento que deverá prevalecer. Por aqui, na 3ª Região, ainda tramitam mais uma dezena de ações do gênero e ainda é cedo para projetar o placar final, majoritariamente numa ou noutra direção. Ou o leitor arriscaria um palpite?…

Fonte: www.trt3.jus.br

  • Sobre o autorAdvogado - Especialista em Concursos e Servidores Públicos
  • Publicações309
  • Seguidores2198
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações2047
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/novas-decisoes-do-trt-mg-sobre-vinculo-de-motoristas-com-uber-continuam-refletindo-entendimentos-divergentes-sobre-a-questao/470118751

6 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Uma coisa que o brasileiro está mal acostumado é o fato de achar que qualquer ligação de negócios configura em emprego. A plataforma UBER funciona como uma solução tecnológica que tem como finalidade ligar micro-empreendedores com interesses de investir e trabalhar por conta própria na área de transporte particular individual de passageiros com pessoas interessadas em contratar os serviços destes micro-empreendedores. Porém, por ser uma plataforma de acesso, ela tem em seu contrato que o micro-empreendedor (no caso, a pessoa cadastrada como motorista) terá que pagar a ela, pelos serviços prestados pela mesma, uma porcentagem dos valores obtidos com clientes conseguidos através do uso da plataforma.
Basicamente, a UBER é um facilitador para aqueles que querem trabalhar por conta própria mas não sabem como nem onde começar. continuar lendo

Texto bastante elucidativo. Obrigada! continuar lendo

Se a sentença final for contra o uber muitos brasileiros perderam mais uma chance de melhorarem de vida. continuar lendo

Mais uma vez impera a esperteza do brasileiro médio sob o guarda-chuva da justiça (decadente) do trabalho. A livre concorrência e livre iniciativa nos negócios é a melhor alavanca que um país em crise pode ter, porém, temos regulamentos impostos nos últimos 500 anos e será difícil (re) conquistarmos nossa liberdade.

Apesar dos absurdos que têm ocorrido na JT, ainda me animo com o lúcido julgamento da desembargadora que desmontou os argumentos do experto reclamante que fez negócio com a Uber e, não sabendo prestar serviços de qualidade se utilizou da justiça retrógrada e extemporânea para conseguir seu objetivo de não trabalhar a contento e receber assim mesmo. Embora lúcido o julgamento, não deveria ser permitida uma ação trabalhista em uma relação de benefício mútuo na prestação de serviços. Explico - UBER: você utiliza meu aplicativo dentro das normas de qualidade, assim como qualquer outro prestador de serviço e paga pelo uso correspondente. MOTORISTA: estou ciente de que seu aplicativo pode ser de grande benefício para minha carreira de motorista particular, então vou comprá-lo, pagando com parte de meus serviços. Simples assim. A Justiça do trabalho não tem relação (natural) com a livre negociação entre as partes; nem o governo deveria ter; mas esse é um pensamento libertário e estamos muito aquém de nossa liberdade.. mesmo após as eleições. continuar lendo